
I – INTRODUÇÃO
O grande entrave da economia brasileira é o atual sistema tributário nacional. A carga tributária brasileira é, do ponto de vista econômico, regressiva, o que implica dizer que “o excesso de tributação sobre bens e serviços, de 18,8% do PIB, é maior do que em qualquer país da OCDE, onde a média é de 11,6% do PIB” , assim, quem mais sofre com essa carga desigual tributária são as camadas pobres da sociedade brasileira.
Ainda, o Brasil é, atualmente, o país onde se mais gasta tempo para lidar com a burocracia tributária em comparação ao resto do mundo, ou seja, as empresas dispendem, em média, aproximadamente 2.000 horas por ano para o cumprimento das quase intermináveis regras tributárias previstas no âmbito federal, estadual e municipal.
Nesse contexto, a reforma tributária surge com o viés do ideal de simplificação do sistema tributário nacional, com a tributação sobre o consumo inspirado sobre valor agregado (IVA), com ampla não cumulatividade, redução de litígios nas esferas administrativas e judiciais, além de prever o fim das chamadas guerras fiscais, através da eliminação de alguns benefícios fiscais setoriais.
Assim, foram apresentadas as Propostas de Emendas Constitucionais n.º 45/19 (Câmara dos Deputados) e n.º 110/19 (Senado Federal), com a criação de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), imposto esse que pretende simplificar a arrecadação de tributos sobre o consumo no Brasil, com uma alíquota única, ainda não foi definida, de aproximadamente 25%.
Por seu turno o Governo apresentou a sua proposta de Reforma Tributária, a PL 3.887/20, com algumas etapas, sendo a primeira delas a unificação do PIS e COFINS, e nas fases posteriores à desoneração da folha de pagamento com a criação de um imposto para operações digitais.
Portanto, de forma resumida, o objetivo maior das reformas tributarias atualmente discutidas no Congresso Nacional está relacionada a ideia de simplificação e maior transparência do sistema, redução de litígios, eliminação de benefícios fiscais, adoção de um sistema de tributação do consumo baseado no imposto sobre valor agregado (IVA) não cumulativo.
Assim, abaixo algumas reflexões pontuais sobre o assunto.
II – COMPARATIVOS: PEC Nº 45/2019 (CÂMARA DOS DEPUTADOS) E PEC Nº 110/2019 (SENADO FEDERAL)
Ambas as propostas de reforma do atual sistema tributário nacional propõem a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja arrecadação seria de interesse comum de todos os entes federados, União, Estados, DF e Municípios.
A PEC 45/2019, unificaria 5 (cinco) tributos, e a PEC 110/2019, por sua vez, faria a unificação de 9 (nove tributos). Vejamos:
Ainda, a PEC 45/19 autoriza a União a instituir impostos seletivos, com finalidade extrafiscal, ou seja, destinados a desestimular o consumo de determinados bens e serviços. A PEC 110/2019, por seu turno, prevê a possibilidade de criação de um imposto sobre o fumo, bebidas, energia elétrica, telecomunicações, combustíveis e veículos automotores.
Além disso, ambas as propostas estabelecem que a tributação do IBS será no destino, ou seja, nas operações interestaduais, o IBS pertencerá ao Estado destino.
Com relação a determinação das alíquotas, a PEC 45/19 estabelece que cada ente federativo deverá fixar uma parcela da alíquota total do imposto por meio de Lei Ordinária, chamada sub-aliquota. Após, forma-se a alíquota única aplicável a todos os bens e serviços. Já na PEC 110/19, a Lei Complementar fixará as alíquotas padrão que serão aplicadas de forma uniforme em todo o território nacional.
No que tange aos benefícios fiscais, a PEC 45/19 é taxativa ao estipular a sua não autorização. A PEC 110/19 autoriza, desde que por Lei Complementar, a sua concessão para algumas operações específicas (alimentos, medicamentos, transporte Público, educação, etc).
No que tange as diferenças entre as propostas apresentadas, enquanto a PEC 110/19 cria dois IBS – um federal e outro estadual –, a PEC 45/19 cria um tributo unificado sobre o consumo para a União, Estados, DF e Municípios, com sub-aliquotas nacionais, regionais e locais. Por seu turno, o PL 3.887/2020 do governo pretende substituir a Contribuição ao PIS e Cofins pelo CBS, de competência exclusivamente federal.
Ambas as PEC’s possuem como pontos positivos o estímulo a progressividade, onerando de forma mais intensa os contribuintes com maior capacidade contributiva, além da possibilidade de devolução do IBS para contribuinte de baixa renda, através de programas sociais (bolsa família p.ex), o que certamente reduzirá a regressividade do atual Sistema Tributário Nacional.
Outro aspecto positivo das reformas é o estabelecimento de um regime tributário baseado na não cumulatividade, ou seja, com ampla possibilidade de tomada de créditos. Nesse sentido, acreditamos que o ordenamento jurídico a ser implementado com a aprovação dessas propostas possam permitir também o creditamento financeiro, aquele que vai além das despesas relacionadas diretamente a atividade produtiva da empresa, tais como investimento em ativo imobilizado, bens de uso e consumo etc.
No que tange a PEC 110/19, também podemos citar como ponto positivo a possibilidade de fixação de alíquotas reduzidas para bens essenciais, tais como alimentação, remédio, água, educação e saúde.
Conduto, a aplicação de uma alíquota única para todos os bens e serviços tem como ponto negativo a elevação da carga tributária sobre os prestadores de serviços, pois terão suas atividades submetidas a impostos que usualmente não pagam, a exemplo do IPI e ICMS para serviços tradicionais, como advocacia e contabilidade. Assim, algumas atividades que hoje se submetem a alíquota e 5% de ISS, passarão a sofre a incidência de um IBS de aproximadamente 25%, o que elevará demasiadamente a carga tributária desses setores.
Ainda, em qualquer uma das propostas de reforma tributária que atualmente estão sendo objeto de deliberações no Congresso, as empresas optantes pelo lucro presumido que recolhe PIS/COFINS pelo sistema cumulativo, certamente sofrerão grande impacto negativo, vez que os optantes por esse regime tributário não possuem, em regra, grandes despesas com insumos para geração de crédito, como aquelas empresas que trabalham com a sistemática do lucro real.
Observa-se também que, com a impossibilidade de concessão de benefícios fiscais (PEC 45/19), pode tornar o sistema tributário mais injusto na medida em que inviabiliza a aplicação do princípio da seletividade (alíquota do imposto deve ser adequada à essencialidade do bem ou do serviço).
Outra questão importante que impulsiona os debates da reforma está relacionada a tramitação do sistema de cobrança. A PEC 45/2019 estabelece que durante dois anos será cobrado uma contribuição “teste” de 1%, com a mesma base de incidência do IBS, e, depois, a transição dura 8 anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos à razão de 1/8 ao ano.
Já na PEC 110/19, a transição ocorrerá durante o prazo de um ano, sendo cobrado uma contribuição “teste” de 1% (compensável com a Cofins), e, depois, a transição dura 5 anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos tributos à razão de 1/5 ao ano.
O problema dessa regra de transição estabelecida pelas propostas está no fato de que as empresas terão um aumento dos seus serviços burocráticos, na medida em que terão que ligar com dois regimes distintos e simultâneos de obrigações tributárias.
III – DA POSSIVEL INCONSTITUCIONALIDADE DAS PEC’S 45/19 e 110/19
Um problema identificado nas propostas diz respeito a preservação da autonomia dos entes federados, uma vez que no novo modelo de tributação proposto, os Estados e Municípios somente poderão fixar suas alíquotas parciais do IBS. Assim, pode-se dizer que a forma federativa de Estado será afetada em razão da redução da autonomia da competência tributária relacionada aos impostos estaduais e municipais (ICMS e ISS).
Além disso, há quem entenda que também é passível de inconstitucionalidade proposta de reforma que estabelece a vedação de concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais, as quais visam a criação de políticas públicas tributárias que possam promover o desenvolvimento regional e redução das desigualdades sociais.
Infere-se que a vedação à concessão de benefícios fiscais pelos entes subnacionais poderá caracterizar violação ao Pacto Federativo, cláusula pétrea prevista no art. 60, §4º, I, da CF , em razão da perda da autonomia administrativa e financeira por parte desses entes federados, pois se estará retirando deles a competência para tributar como melhor lhes parece, com a consequente transferência para a União.
Portanto, torna-se inconteste que, em sendo aprovadas as reformas até então em debate, haverá a judicialização do tema, tendo em vista que certamente alguns entes federados questionarão a constitucionalidade do projeto, por violação ao pacto federativo, diante da extinção de tributos de suas competências.
IV – CONCLUSÕES
Através do estudo dos temas apresentados nos projetos de reforma tributária, tanto nas PEC’s quanto no Projeto de Lei do Governo, verifica-se claramente que o objetivo das propostas apresentadas não é de redução da carga tributária, mas sim de simplificação do sistema tributário atual, através de tributação sobre o consumo inspirado sobre valor agregado (IVA), redução de litígios administrativos e judiciais, além de tentar coibir as chamadas guerras fiscais por meio de eliminação de benefícios fiscais setoriais.
Sem deixar de lado os vários pontos positivos apresentados nas propostas em questão, não podemos deixar de mencionar que a instituição de uma alíquota única do IBS poderá aumentar ainda mais a regressividade sobre o consumo, que atualmente é uma das maiores do mundo, afetando ainda mais a camada mais vulnerável da sociedade brasileira.
Ainda, a aplicação de uma alíquota única para todos os bens e serviços certamente elevará a carga tributária sobre os prestadores de serviços, atividade que mais empresa no Brasil, pois terão suas atividades submetidas a impostos que usualmente não pagam, sem contar o fato de que, por utilizarem poucos insumos capaz de gerar crédito fiscal, será fortemente afetado pela alíquota única e elevada.
Por fim, importante esclarecer que os textos das propostas em debate são passiveis de declaração de inconstitucionalidade futura pela Suprema Corte, à medida que viola o pacto federativo, cláusula pétrea prevista no art. 60, §4º, I, da CF, diante da redução da autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Equipe Mendes & Wolf Advogados Associados